Espanha foi novamente escolhida como palco principal para as primeiras concentrações de pré-época das equipas de ciclismo.
Após uma paragem de duas a cinco semanas, muitos ciclistas treinam para recuperar rapidamente a forma física, conhecer os novos colegas e testar o material para o novo ano, a um ritmo que pode surpreender os adeptos mais antigos deste desporto.
As primeiras corridas do calendário mundial ainda estão distantes e até algumas estrelas, como o esloveno Tadej Pogacar, planeiam começar a temporada em março, mas ninguém diria isso ao ver os corredores da UAE a pedalar pelas estradas da Costa Blanca, em Alicante.
"Lembro-me de um treino em que tive a mesma potência média que quando terminei em 3.º no Tour de Flandres no ano passado", contou o alemão Nils Politt, um dos principais apoios de Pogacar na UAE, no podcast apresentado pelo seu compatriota e antigo ciclista Jan Ullrich.
Este último, vencedor do Tour de France em 1997 e que mais tarde admitiu ter recorrido ao doping durante a carreira, costumava ganhar cerca de dez quilos nas férias entre épocas, algo que hoje é completamente impensável.
"Um ciclismo diferente"
"Antes era tudo mais descontraído. Podia haver um Óscar Freire (três vezes campeão do mundo, em 1999, 2001 e 2004) que só pegava na bicicleta pela primeira vez desde a última corrida durante a concentração. Pelo meio, tinha estado a jogar ténis. Hoje, se ganhaste dois ou três quilos até dezembro, já tens um problema. Todos estão a dar tudo em dezembro", avisa o alemão Simon Geschke, que se retirou há um ano.
O francês Benoît Cosnefroy confirma essa ideia: "Antes era um ciclismo diferente. Agora, todos os dias tens de dar o máximo".
O belga Tim Wellens também garante que alguns treinos lhe parecem mais exigentes do que as próprias corridas.
Em Maiorca, neste momento com a sua nova equipa, Red Bull Bora, o belga Remco Evenepoel também fala sobre o tema: "Na minha terceira semana desde que recomecei já estou a fazer treinos intensos. Se quero aproximar-me do nível do Pogacar, tenho de sofrer".
Saúde mental
Com 32 anos, o francês Guillaume Martin, um dos líderes da Groupama-FDJ, também reflete sobre a evolução dos inícios de época ao longo da sua carreira: "Quando passei a profissional em 2016, ainda era possível encarar as primeiras corridas da temporada como preparação. Agora isso acabou. É preciso estar pronto desde a primeira".
"Há 10 ou 15 anos, quando havia um dia de descanso após quatro dias de concentração, saía-se à noite na véspera. Agora já ninguém faz isso", conta Cosnefroy.
O universo do ciclismo está cada vez mais competitivo e isso também tem impacto na saúde mental dos corredores.
Alguns terminam a carreira muito cedo, como o espanhol Unai Zubeldia (22 anos), que lamenta o "lado negro" de um desporto que obriga a ser "uma máquina de pedalar numa perseguição desenfreada pelo rendimento".
Outros preferem não se queixar e adaptar-se a esta realidade.
"Temos uma vida de sonho, embora as viagens e a distância dos nossos entes queridos por vezes pese", sublinha o esloveno Matej Mohoric (31 anos), vencedor de três etapas no Tour de France.
"Mas o que é certo é que esta profissão mudou. Quando comecei, íamos de concentração para o norte de Itália. Um dia íamos caminhar com um metro de neve, noutro fazíamos esqui de fundo. E sim, à noite bebíamos qualquer coisa. O que se passa agora não tem nada a ver", reconhece.
