Além de liderar e treinar a seleção dos Barbados, Orlando Costa foi convidado a assumir um papel importante na forma de pensar o futebol no país, tendo desenvolvido vários projetos em prol desse objetivo. À distância, mas sempre com um olho naquilo que se vai fazendo em Portugal, o treinador luso continua a ser muito feliz ao serviço de uma profissão que abraçou há 27 anos.
- Antes de mais, muito obrigado por aceitar o convite do Flashscore. O mister já passou por vários cantos do Mundo - Irão, Coreia do Sul, China, Guiné Bissau e, agora, Barbados. Como aparecem todos estes desafios?
- Agradeço o convite, é sempre um prazer e uma honra partilhar conhecimento e falar daquilo que é a nossa paixão. Estou ligado ao futebol há 27 anos e as coisas foram acontecendo de forma natural, desde os meus 19 anos. Tem sido um percurso multinacional, bastante diversificado, também devido à minha costela aventureira. Sou uma pessoa que se adapta e gosta de conhecer novas culturas. Depois quem anda no futebol sabe que tem de estar preparado para ir para qualquer parte do mundo. É um meio muito competitivo, com muitos lobbies e interesses à mistura, como tal, devido a essas razões, quando uma pessoa quer progredir e sair da zona de conforto tem de estar preparado para novos projetos em qualquer parte do mundo.
- Através de todas essas aventuras, acredito que tenha sofrido alguns choques culturais...
- É um facto. Mesmo China e Coreia, dois países geograficamente bastante próximos, as suas formas de pensar e executar são completamete diferentes. Nós treinadores temos de ter capacidade e inteligência emocional para nos adaptarmos rapidamente a essas diferentes formas de estar, ser e fazer. Modéstia à parte, não é qualquer pessoa que reúne essas características para se adaptar e ter sucesso. Felizmente, as coisas correram sempre bem nesses países e sinto-me bem por contar essas experiências, que me fizeram crescer como homem e treinador.

- O trabalho em Barbados não será fácil, uma vez que a base de recrutamento calculo que seja curta. Essa é uma dificuldade acrescida para trabalhar segundo determinados ideais?
- O recrutamento aqui é limitadíssimo, por várias razões. Fui contratado em novembro de 2022 e quando cheguei a seleção já tinha realizado quatro jogos para a Liga das Nações, e eu vim substituir um colega que tinha tido quatro derrotas. Deparei-me logo com inúmeras insuficiências. Requisitei jogos para estudar e não tinham os jogos. Pedi ficheiros dos jogadores que faziam parte da seleção e entregaram-me duas folhas com nome, idade, posição e clubes onde estão. Quando fui convidado pelo professor Nelo Vingada, ele disse-me: "prepara-te, Barbados é um país lindíssimo, mas, em termos de futebol, não é nenhuma potência, tens de ir preparado para perder mais".
- No fundo, está a fazer um trabalho de base e restruturação completa?
- Éramos 300 candidatos ao cargo e na altura da minha apresentação o presidente disse que viam em mim não só a pessoa para treinar e liderar, mas também para projetar e pensar o futebol em Barbados. É isso que estou a fazer e comecei do zero. Mas hoje, se o Orlando Costa sair, deixo aqui uma lista de jogadores perfeitamente identificados com pontos fortes e fracos. Depois desenvolvi três projetos para o país, dois deles integrados no 'Guidelines for teaching football games'. A Federação pode partilhar esse documento orientador com professores e treinadores do país, de forma a que eles possam ensinar jogadores desde os 5 aos 23 anos, através de uma metodologia direcionada para as respetivas idades. O outro projeto é de como desenvolver a paixão pelo futebol, onde explico, de forma específica, como desenvolver o futebol desde os 5 anos, quer para rapazes ou raparigas. Estou num país onde o principal desporto é o críquete e as corridas de cavalo. O futebol não é das modalidades mais queridas, embora nos Barbados exista 1.ª, 2.ª e 3.ª ligas, embora nenhuma seja profissional. Até existem clubes a mais, na minha opinião.

"Tenho de ser honesto, é uma luta desigual"
- Consegue identificar talento nos Barbados?
- Lancei e descobri um guarda-redes com 17 anos, que me despertou a atenção e vi nele talento. É o nosso 3.º redes. Chama-se Raheem Agard e é um jovem a quem vemos uma enorme margem de progressão e que pode ser o nosso número 1 daqui a 3-4 anos. E descobrimos outros, como o Nadre Butcher, que assinou recentemente por uma equipa da primeira liga da Irlanda.
- Pelo que percebo, sinto que falta uma figura que impulsione o futebol no país, uma espécie de Cristiano Ronaldo. É isso?
- Falta. Temos um jogador que se está a destacar na primeira liga da Geórgia - Thierry Gale -, mas que ainda é muito jovem. Entretanto, lançámos o repto a alguns jogadores da Premier League para representarem os Barbados, mas são jogadores que ainda ambicionam jogar por Inglaterra. Se aceitassem era ótimo e o país lucrava muito mais. (...) Agora, em cinco jogos que realizámos, dois oficiais, perdemos um e ganhámos outro. Foi a primeira vitória (Antígua e Barbuda, 1-2) em três anos. Encontrámos jogadores sem motivação para representar a seleção, sem sentido patriótico, e procurámos desenvolver isso e também uma mentalidade vencedora, assente no nosso modelo de jogo. Em meio ano conseguimos então a primeira vitória em três anos e perdemos apenas por 1-0 contra Cuba, uma seleção totalmente profissional. Nós só tínhamos seis jogadores que competem fora, os restantes competiam todos na liga local.
- É uma luta desigual...
- Tenho de ser honesto, é uma luta desigual. Mas estamos de alma e coração.

- Guarda mágoa por não conseguir trabalhar em Portugal? Sente que as portas estão muito fechadas no futebol português?
- Alguma tristeza, sim. É o nosso país e gostaria de crescer e evoluir por aí, desde que nos fossem dadas oportunidades para atingir patamares elevados. Mas desde cedo percebi que os requisitos e escolha não são baseados apenas nas competências humanas e técnicas. Cresci muito rápido com essa realidade. Tenho tristeza e alguma mágoa, mas não fico agarrado a isso. Tento olhar para o lado positivo e construtivo, como uma oportunidade de desempenhar a minha paixão e uma vontade enorme de encontrar sempre algo mais para ajudar a minha família, evoluir e lutar por outros objetivos.
- Ainda espera que as portas se abram?
- Estamos sempre na expectativa. Acho que todos gostaríamos de ser reconhecidos no nosso país.
- A partir de Barbados, como olha para o futebol português e para o campeonato que agora vai começar?
- Quem parte na frente é o Benfica, por ter sido o campeão, pela continuidade e contratações. O FC Porto está um bocadinho mais limitado. Ainda assim, o Sérgio e o Rúben (Amorim) têm feito um trabalho muito bom com pouco. Depois temos um SC Braga, nao é de agora, que tem feito um trajeto fulgurante e excecional, quer nas contratações, com ambição de mais ano, menos ano ser campeão. Aqui nos Barbados, acompanho o futebol português através dos jornais e os jogos pela internet.
- E sempre pode acompanhar os relatos do Flashscore.
- Exatamente. No Flashscore temos acesso aos resultados e toda a informação. (...) Como metódico que sou, estou sempre na expectativa de poder regressar ao meu país e quero estar sempre por dentro da realidade portuguesa, para se aparecer a oportunidade agarrar com unhas e dentes e ter sucesso.
