Pepo: "O Caldas ajudou-me a voltar a encarar o futebol de forma leve e positiva"

Pepo em destaque do Caldas
Pepo em destaque do CaldasDylan Inácio/Caldas Sport Clube/Flashscore

Pepo é uma das figuras de um Caldas em destaque na Liga 3 e na Taça de Portugal. Natural das Caldas da Rainha, o médio regressou a “casa” para priorizar a família e recuperar a felicidade que julgava perdida. Recuperou a alegria do seu futebol e hoje brilha nos relvados nacionais e internacionais ao serviço de Moçambique.

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Há cinco anos, Renato Paiva, então treinador da equipa B do Benfica, mostrou-se surpreendido por ver Pepo, na altura no Cova da Piedade, a jogar apenas na Segunda Liga. “Não sei o que anda aqui a fazer. Tem qualidade para mais”, dizia.

A verdade é que, depois dessa época, o médio acabou por dar um passo atrás para a Liga 3 e, nas duas temporadas seguintes, não conseguiu expressar o seu futebol. A frustração começou a crescer e deu lugar ao conformismo... até surgir o Caldas.

Foi um convite que fez todo o sentido. Regressou a casa para voltar a ser feliz e reencontrou-se na magia da Mata. Um clube especial, para jogadores especiais. Este é o caminho de Pepo, contado na primeira pessoa ao Flashscore.

Pepo cumpre 3.ª temporada no Caldas
Pepo cumpre 3.ª temporada no CaldasCaldas Sport Clube

O reencontro com o futebol: "Voltar ao Caldas foi voltar a casa"

- O Pepo cumpre a 3.ª temporada no Caldas, uma equipa que está em posição de play-off de subida na Liga 3 e que, recentemente, eliminou o Tondela da Taça de Portugal. Como é que se tem sentido neste início de época?

Estou a sentir-me muito bem. O Caldas continua a ter um contexto amador, mas nota-se uma vontade grande de profissionalizar o clube e de nos dar condições para olharmos para todas as equipas de olhos nos olhos, sem desculpas. E isso tem-se refletido dentro de campo.

Estamos em posição de subida, muito perto do primeiro lugar, e já passámos algum tempo no topo. Sinto que a equipa está confiante e determinada em fazer algo diferente este ano, porque a verdade é que o Caldas anda sempre ali perto, mas nunca consegue ficar nos quatro primeiros. Queremos quebrar esse ciclo.

O grupo foi muito bem construído: temos jogadores experientes, jovens com muita qualidade e um plantel onde praticamente todos podem ser titulares. Basta ver como o onze muda muitas vezes e, mesmo assim, quem entra corresponde sempre. Essa profundidade é a nossa maior diferença este ano. Por isso, vejo o futuro com bons olhos e acredito que ainda podemos fazer coisas muito interessantes.

Pepo voltou a ser feliz no Caldas
Pepo voltou a ser feliz no CaldasOpta by Stats Perform, Caldas SC

- Tinha representado o Caldas na formação, mas nunca em sénior, e em 2023 toma a decisão de voltar ao clube da sua terra. O que motivou essa decisão?

Tive duas épocas na Segunda Liga em que senti, honestamente, que tinha feito o suficiente para me manter ou até para dar o salto. Lembro-me perfeitamente de um comentário do mister Renato Paiva a dizer que não percebia como é que eu ainda estava na Segunda Liga. Recebi essa memória há pouco no Facebook, fez cinco anos hoje.

E a verdade é que, apesar disso, no fim da época acabei por descer para a Liga 3. Não é fácil lidar com estes momentos, porque muitas vezes não dependem só de nós. Na primeira época na Liga 3 joguei muito menos do que era expectável no Alverca; na Académica fui com a mesma ambição de relançar a carreira e também não resultou.

Cheguei aos 28/29 anos a pensar: “Se não foi na época passada, nem na outra, quando é que vai ser?” E senti que talvez estivesse na altura de dar estabilidade à minha família. Tinha acabado de ser pai e a minha companheira andou comigo anos a fio, sempre de um lado para o outro. Senti que era o momento de pensar menos na carreira e mais no que lhes podia proporcionar.

Voltar às Caldas fez todo o sentido. Conhecia praticamente toda a gente, muitos desde a infância, e era um clube que sempre senti muitas dificuldades em jogar contra. Agora, estando aqui, percebo porquê.

- Sem querer aprofundar demasiado, imagino que tenha existido alguma frustração nessa fase. O futebol vive muito de expectativas: uma coisa é aquilo que sentimos, outra é ouvir pessoas - como o Renato Paiva, por exemplo - dizerem que tinha nível para a Primeira Liga… e depois, um ano depois, está na Liga 3. Acredita que isso o condicionou de alguma forma?

Na altura, eu não acreditava nisso. Achava que não tinha influência na minha prestação. Mas, olhando agora com distância, percebo que, nos momentos em que as coisas não corriam bem, se calhar usava essas desculpas para me proteger.

Quando fui para a Liga 3, pensei de forma muito racional: ia para um Alverca fortíssimo, uma equipa que ganhava muito mais vezes e onde, tendo eu um perfil de jogador que gosta de ter bola, tinha tudo para me destacar mais do que numa Segunda Liga a lutar para não descer. A ideia era clara... dar um passo atrás para tentar dar dois à frente.

Os últimos resultados do Caldas
Os últimos resultados do CaldasFlashscore

E o clube tinha condições excelentes, até melhores do que algumas que encontrei na Segunda Liga. Mas também tive um pouco de azar: cheguei com o Vasco Faísca, mas ele saiu à quarta jornada. Entrou um treinador com um modelo muito mais físico, que não ia ao encontro das minhas características. E foi aí que senti novamente o peso dos estereótipos: ou apanhava um treinador que acreditava mesmo em mim, ou então olhavam para mim como “franzino” e descartavam à partida.

A minha carreira foi muito isto. Sempre que subi foi porque alguém já me conhecia e sabia o que eu podia dar. De fora, muitas vezes ficava a dúvida: “É bom com bola… mas aguenta-se?” E nem davam tempo para ver.

No fundo, com o passar dos anos, a frustração foi crescendo até deixar de ser frustração... tornou-se conformismo. Houve um momento em que senti que nada melhor ia acontecer. 

- Portanto, o Caldas é uma espécie de refúgio, um espaço onde o Pepo regressa para voltar a desfrutar do futebol e, ao mesmo tempo, conciliar com a parte familiar. É isso?

Sim, exatamente. Voltar ao Caldas foi voltar a casa, mas sem aquela ambição de “faço aqui uma época, sou feliz, as coisas correm bem e vou-me embora”. Não era isso. Queria estabilizar a minha vida e, ao mesmo tempo, ajudar o clube a tentar algo diferente. Além disso, esta vinda para aqui permitia-me também começar a preparar o pós-carreira. E isso ajudou-me a voltar a encarar o futebol de forma leve e positiva, como algo que vou certamente sentir falta quando acabar.

Depois, apareceu a seleção (de Moçambique) e deu-me uma força enorme. Mas também trouxe outro lado: não é fácil arranjar um emprego que me permita treinar, ir para estágios, ausentar-me duas semanas seguidas e, ao mesmo tempo, ter tempo para a minha filha e agora para o meu segundo filho.

Por isso, isto tornou-se perfeito: família e futebol. Tenho muito tempo para eles e estou a viver cada fase da vida deles com calma e presença. E isso está a saber-me mesmo muito bem.

- Passou a ver o futebol e o futuro no futebol de maneira diferente.

Sim, quando voltei ao Caldas isso mudou. Antes, em cada clube onde chegava, pensava sempre em dar o salto seguinte - ou subir de divisão com a equipa, ou usar a época para ir para um nível acima. Aqui a realidade é diferente.

Deixei de pensar tanto a longo prazo e passei a desfrutar muito mais do momento. Tirei muita pressão dos ombros e comecei a jogar de forma mais feliz. E tive também a sorte de ter um treinador que confiou muito em mim, o que tornou tudo ainda mais fácil.

Caldas eliminou o primodivisionário Tondela
Caldas eliminou o primodivisionário TondelaCaldas Sport Clube

"Taça de Portugal tem muito significado para o Caldas"

- Falou há pouco do facto de o Caldas ainda ter um contexto amador. O clube não joga nos campeonatos profissionais desde finais dos anos 80. Agora, na sua terceira época, como é que sente a ambição do Caldas? Acredita que é possível chegar à Segunda Liga? 

Sendo o mais sincero possível, é um tema sobre o qual não tenho todas as respostas. Há decisões que não passam por nós, jogadores. O que eu posso dizer é que, dentro do balneário, sentimos uma estrutura muito presente e uma ideia clara: se tivermos a oportunidade de subir, vamos querer subir. Nunca senti aquela postura de “se calhar é melhor não subir”. Nada disso. A ideia conjunta é competir, lutar pelos primeiros lugares e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance.

Depois, se tivermos essa felicidade, acredito que o clube encontrará soluções para dar os passos necessários. Sempre com a mentalidade de enfrentar as coisas de frente, nunca numa postura de coitadinhos. E, sinceramente, chegar aos campeonatos profissionais seria um sonho enorme.

- Académica, Belenenses, Mafra, Atlético... Estamos a falar de uma série muito forte. Qual é a sua avaliação?

A competitividade é enorme. Mas isso também te faz acreditar mais, porque, apesar das diferenças de orçamento e de estrutura, em campo vê-se que qualquer equipa pode ganhar a qualquer equipa.

O que nos diferencia é o grupo: a união, a força que temos uns nos outros e o fator humano muito presente no clube. A pressão nos outros é sempre maior, e isso permite-nos jogar mais soltos, com mais liberdade, e manter uma união muito forte nos momentos difíceis.

O clube também tem feito um esforço para melhorar as condições e aproximá-las das restantes equipas. A longo prazo isso é fundamental, porque esses detalhes acabam sempre por fazer diferença numa época inteira. 

Caldas segue na 3.ª posição na Série Sul da Liga 3
Caldas segue na 3.ª posição na Série Sul da Liga 3Flashscore

Há outra competição onde têm estado particularmente bem. Eliminaram o Tondela, da Primeira Liga, e agora vão defrontar o SC Braga. Quais são as vossas perspetivas para a Taça de Portugal?

Aqui nas Caldas vive-se a Taça de uma forma especial. Antes de eu chegar já tinham chegado às meias-finais em 2017/18 e isso marcou muito o clube. Às vezes até comentamos entre nós que gostávamos que a cidade encarasse o campeonato com a mesma força com que vive a Taça, porque esse apoio faz muita diferença.

Voltando ao tema: a Taça tem mesmo significado para o Caldas. Há a memória dos penáltis contra Benfica, em 2022… e isso cria sempre uma exigência muito grande. Depois há também o “fantasma” do Tomba-Gigantes, que acaba por influenciar as outras equipas - nunca olham para nós como uma equipa qualquer da Liga 3.

E nós alimentamos isso, porque encaramos todos os jogos da Taça exatamente da mesma forma que encaramos os jogos do campeonato: pressionamos alto, jogamos olhos nos olhos e não ficamos fechados com dez à entrada da área. É o nosso ADN. A pressão está toda do lado dos adversários, por isso conseguimos jogar mais soltos e desfrutar. A ambição é sempre alta e é bom ver que temos capacidade para competir nesse registo.

- É dessa forma que vão encarar o jogo com o SC Braga?

Sinceramente, apesar de o SC Braga ser teoricamente mais forte do que o Tondela, a nossa forma de encarar o jogo não muda. A pressão está toda do lado deles. Não olhamos para isto como um simples “dia diferente” com a Mata cheia. Vamos para ganhar e para passar a eliminatória. A ambição é essa.

- O Caldas parece realmente um clube muito familiar, com jogadores que ficam muitos anos, um treinador que está desde 2016 e um estádio especial como o Campo da Mata. 

A grande diferença é que aqui não olham para os jogadores apenas como ferramentas. Olham para nós de forma humana. Noutros contextos - e não é crítica, porque também fui feliz em muitos clubes - funciona muito assim em termos futebolísticos: estás bem, serves; não estás, procuram outro.

No Caldas não é assim. Dão espaço para errar, para crescer, para recuperar. Se não estás bem numa época, não é por isso que te vão descartar. Sentimos que todos contam, que todos são necessários e isso faz-te sentir em casa, mesmo que não sejas daqui.

Vê-se nos exemplos. O Rafa Pinto, que veio de Lisboa, encontrou aqui estabilidade e confiança. Fez uma grande época e acabou por ir para a Primeira Liga do Luxemburgo, jogar playoffs da Conference League. E ficou com muita pena de ir embora.

O Tomás Castro, que vinha de uma lesão longa, encontrou aqui um clube que o acolheu, lhe deu tempo e espaço. Voltou a sentir-se jogador.

Isto acontece porque o Caldas não descarta ninguém por não estar no melhor momento. Essa estabilidade e esse cuidado fazem toda a diferença na cabeça de um jogador. E é por isso que tanta gente cria raízes aqui.

Pepo deu prioridade à família nesta fase da carreira
Pepo deu prioridade à família nesta fase da carreiraCaldas Sport Clube

O amargo na carreira: "O meu sonho sempre foi chegar à Primeira Liga"

- Aos 31 anos, o que é que lhe passa pela cabeça quando olhas para trás?

Acima de tudo, que isto passa muito rápido. E que temos mesmo de desfrutar, porque o futebol é a melhor profissão do mundo. O balneário, as pessoas que conhecemos, as ligações que criamos… isso é único.

Os meus melhores amigos vieram todos do futebol. O padrinho da minha filha, por exemplo, é o Filipe Oliveira - conheci-o na seleção de Leiria, depois reencontrámo-nos na UD Leiria e no Vilafranquense. São pessoas que estão connosco todos os dias, muitas vezes mais do que a própria família, a viver problemas, alegrias, derrotas, conquistas.

No fim da carreira, é isso que fica: as pessoas, as histórias, as amizades. E é isso que mais valor dou quando olho para trás.

- Faltou só a chegada à Primeira Liga?

Sim. Mas ainda pode aparecer ou não? (risos)

Os números de Pepo
Os números de PepoFlashscore

- Nunca se sabe, ainda por cima agora com a presença na seleção de Moçambique.

Mas sim, é aquele entrave que fica cá dentro. Na altura em que fui para a Segunda Liga cheguei a ter uma boa proposta da Primeira Liga da Bulgária, mas o meu sonho sempre foi ser profissional em Portugal, sobretudo jogar na Primeira Liga portuguesa.

Adorava ter vivido isso. Hoje já não ando a pensar nisso todos os dias - só quando o assunto vem à conversa - mas, sendo honesto, ainda seria um sonho tornado realidade.

- Ir para fora nunca foi opção?

Já pensei, mas mais numa fase em que as coisas começaram a correr pior. Quando estava bem, o meu objetivo era sempre ficar em Portugal, subir patamares aqui e tentar chegar à Primeira Liga. A família, para mim, é tudo. E a ideia de ir para fora só fazia sentido quando já não estava feliz ou quando via que as coisas não estavam a correr como queria. Se puder estar perto da minha mulher, dos meus filhos, dos meus pais, avós, irmãos e primos… isso faz-me muita diferença.

Geny Catamo ao serviço do Sporting
Geny Catamo ao serviço do SportingNico Vereecken / PsnewZ / Profimedia

"É uma questão de tempo até o Geny Catamo dar o salto"

- O Pepo é companheiro do Geny Catamo (Sporting) na seleção de Moçambique. Já muito se falou sobre a possibilidade dele dar o salto para a Premier League, por exemplo... Acredita nesse cenário?

Sinceramente, acho que é uma questão de tempo até ele dar o salto. Como colega de balneário, o Geny tem uma humildade enorme. Quando cheguei à seleção pensei que ia encontrar alguém diferente, mais “estrela”, mas não... ele até é bastante tímido.

No balneário, só se expõe mesmo quando precisa de desabafar, quando algo já lhe está a queimar por dentro. Mas vê-se logo a boa pessoa que é: humilde, tranquilo, muito respeitador. Depois, em termos de qualidade… está noutro nível. É mesmo fora do normal. Por isso, tenho a certeza absoluta de que não vai ficar pelo Sporting. É só uma questão de tempo até ir para um patamar ainda mais alto.

Os números de Geny Catamo
Os números de Geny CatamoFlashscore

- E o que espera que a presença na CAN lhe possa dar a si em termos de futuro?

Sinceramente, não gosto de pensar nisso dessa maneira. Para mim, a CAN é mais um prémio pelo que não consegui alcançar ao longo da carreira do que algo que vá abrir portas no futuro. Quero mesmo é desfrutar desta experiência. O resto… será o que Deus quiser.

- Para fechar, se o futebol fosse uma pessoa, o que é que lhe diria?

Obrigado por tudo!