Recorde as incidências da partida
O feminino sempre foi o parente pobre do futebol em Portugal. Sem o investimento e o consequente interesse existente no masculino, o desenvolvimento foi tardio e a evolução, lenta.
Ainda assim, clubes como o Futebol Benfica, o 1.º Dezembro, o Boavista, o Clube de Albergaria, o Atlético Ouriense, os Gatões, entre tantos outros, resistiram ao longo dos anos e nunca deixaram de acreditar num futuro com mais condições para as jogadoras.
O ano de 2017 marcou um ponto de viragem, um verdadeiro game-changer. A Seleção Nacional atingiu, pela primeira vez, a fase final de uma grande competição, apenas um ano depois da entrada em cena do SC Braga e do Sporting.
A partir daí, o futuro parecia auspicioso. Estavam lançadas as bases e definidos os desafios para quem ainda resistia ao fenómeno crescente em toda a Europa. Passo a passo, mais clubes se juntaram à causa.
O Benfica entrou em força em 2018 e, alguns anos mais tarde, em 2024, foi a vez de o FC Porto seguir o mesmo caminho. A presença de clubes com forte sentido de ligação aos adeptos consolidou o estatuto do feminino em Portugal, mas também abriu espaço a novas dinâmicas... nem todas positivas.
Este breve prelúdio histórico sobre o campeonato feminino serve de trampolim para o que quero explorar a seguir.
É este o caminho?
Apesar da evolução estrutural, o feminino continua a distinguir-se do masculino em muitos aspetos. O mais óbvio seria o investimento e o retorno financeiro, mas há outra diferença que começa a esbater-se e merece reflexão: os vícios que o feminino agora herda do masculino.
O “comunicado” do Benfica após o dérbi em Alvalade é demonstrativo do pior que existe no futebol. Palavras soltas, publicadas nas redes sociais, apoderam-se de um espaço que devia servir para promover o jogo e valorizá-lo. Em vez disso, são usadas como palco para vociferar críticas à arbitragem. Mais uma vez.
“Até no feminino!”. O que significa esta expressão? Para mim não deixa grandes dúvidas: a forma condescendente como o próprio Benfica se refere à sua equipa feminina diz muito mais sobre o clube do que sobre a arbitragem no dérbi contra o Sporting.
Não questiono decisões de arbitragem, até porque não é essa a minha competência. Nem sequer critico o investimento do Benfica na sua equipa feminina, que é visível, inegável e louvável. Mas é precisamente por isso que este tipo de postura desilude.
O discurso, inflamado, chega ao feminino apenas para espicaçar adeptos já condicionados por outro comunicado recente sobre o jogo Santa Clara–Sporting no masculino.
O Benfica, que tanto tem investido na modalidade, não precisava deste comunicado. Precisava, isso sim, de usar as suas plataformas para promover o jogo e dar visibilidade ao que realmente importa. E a verdade é que o clube passou uma semana praticamente sem divulgar o dérbi de Alvalade, que contou com pouco mais de 3.500 adeptos nas bancadas, e só se fez ouvir para reclamar da arbitragem.
Reconheço que o clube da Luz tem sido o principal motor de crescimento da modalidade em Portugal nos últimos anos, com um investimento sustentado: contratações de peso como as internacionais Ana Borges e Diana Silva (ambas ex-Sporting) ou Diana Gomes (ex-Sevilha), e melhorias significativas nas condições estruturais. Foi assim que construiu um projeto hegemónico e competitivo dentro de portas.

Afinal, esta equipa pentacampeã nacional, um feito nunca alcançado pela equipa masculina, terminou recentemente a sua participação na Liga dos Campeões sem qualquer vitória.
E é precisamente aí que deve residir a reflexão da estrutura do Benfica. Ou os "erros de arbitragem" só aconteceram em Alvalade e "contra" o Benfica? E será que justificam tudo?
Erros vão sempre acontecer: de jogadoras, treinadores, dirigentes ou árbitros. Ninguém está imune. Mas todos têm a responsabilidade de contribuir para o crescimento do feminino em Portugal de forma responsável.
O Benfica não precisava disto. Precisava, sim, de sair da sua bolha e olhar para o feminino como um todo. É importante perceber que não basta investir bem, contratar as melhores jogadoras das equipas rivais e dominar internamente para ser competitivo lá fora, pelo menos de forma consistente.
Como disse recentemente Maria João, média do Futebol Benfica, em entrevista ao Flashscore, “devemos todos uma reparação histórica ao futebol no feminino”.
Até porque a conversa do crescimento estagnou. E, se o caminho for o dos comunicados, vamos acabar por perder todos esta luta. Não tenho dúvidas.
Leia a crónica do Flashscore

