Acompanha a Nigéria na CAN no Flashscore
Depois de terminar como vice-campeã na última edição, perdendo para a Costa do Marfim em 2023, a Nigéria entra no seu primeiro jogo do grupo frente à Tanzânia ciente de que há uma pressão imensa para conquistar o seu primeiro título da CAN desde 2013.
E as esperanças de um país inteiro recaem sobretudo sobre um homem: Victor Osimhen.
Apesar de estar a jogar na Super Liga turca pelo Galatasaray, onde rapidamente se tornou um ícone do clube, recordista de 25 títulos, Osimhen é, sem dúvida, um dos melhores avançados do mundo e merece ser colocado entre a elite.
Mas a sua história não foi linear. O percurso de Osimhen inclui dificuldades e obstáculos, mas também, no fim, grandeza.
Quem é Victor Osimhen?
Nascido em Lagos, Nigéria, Osimhen cresceu na comunidade de Olusosun, uma zona conhecida sobretudo por ser o local de um aterro sanitário, que chega a receber até 10.000 toneladas de lixo por dia.
"Antes de me tornar conhecido, a minha infância foi mesmo difícil. Venho de um contexto muito pobre. É um sítio sem garantias", contou Osimhen numa entrevista à UEFA.
"Eu e os meus amigos íamos lá (ao aterro) à procura de um par de sapatos. Encontravas o pé direito de uma marca, o esquerdo de outra. Juntavas tudo, levavas para casa, lavavas, punhas ao sol e no dia seguinte já podias usar para jogar. Este lugar moldou-me e fez de mim a pessoa que sou hoje."
Osimhen teve uma infância dura. O mais novo de sete irmãos, perdeu a mãe quando ainda era muito pequeno.
"Não foi fácil para nós, a luta foi dura. Sete pessoas a viver num só quarto, a dormir todas juntas", recordou a sua irmã, Blessing.
"A memória deste lugar é muito difícil de descrever. Passámos por muitas dificuldades, por vezes nem tínhamos o que comer. Lutámos para sobreviver. Foram poucos os que estiveram ao nosso lado. Não havia ninguém para ajudar."
"Perdi a minha mãe muito novo. O meu irmão mais velho ligou da aldeia. Disse que a minha mãe adormeceu e nunca mais acordou. Depois disso, foi muito complicado para a família, e o meu pai teve de sair à procura de trabalho para garantir que tínhamos comida todos os dias", continuou Osimhen.
"Tínhamos de fazer alguma coisa. O futebol foi a única saída para mim e para a minha família, para garantir que fazia tudo para os tirar da pobreza."
O primeiro treinador de Osimhen, Paul Erikewe, percebeu logo o seu talento e promoveu-o à equipa principal do Olusosun United.
"O Victor era muito novo quando perdeu a mãe. Vi-o jogar futebol de rua na comunidade com nove ou dez anos. Desde o início, quando o vi, percebi logo que, no futuro, seria um grande jogador. Convidei-o para a minha academia e, hoje, o resto é história", disse Erikewe.
Mais forte, mais alto e melhor do que todos os outros, Osimhen acabou por ser chamado à seleção nigeriana de sub-17. No Mundial de sub-17, foi o melhor marcador com 10 golos e ajudou a equipa a conquistar o título.
A mudança para a Europa
O seu desempenho chamou a atenção de vários clubes europeus. Assim, Osimhen transferiu-se para o Wolfsburgo, da Bundesliga, mas problemas de saúde e lesões travaram a sua evolução.
Em 2018, mudou-se por empréstimo para o Charleroi, da Bélgica, numa altura em que vários clubes não quiseram arriscar no avançado.
Correspondeu à confiança, marcando 20 golos em 36 jogos. O Wolfsburgo tentou segurá-lo, mas com a opção de compra prevista no contrato, o Charleroi pagou 3 milhões de euros para o contratar, vendendo-o de imediato por 15 milhões ao Lille.
Osimhen voltou a brilhar no Lille, apontando 13 golos na Ligue 1 e 18 em todas as competições. Marcou também os seus dois primeiros golos na Liga dos Campeões, incluindo um frente ao Chelsea. As suas exibições valeram-lhe o prémio de Jogador da Época do Lille.
Transferência recorde para o Nápoles
O seu valor estava a crescer e o Nápoles não ficou indiferente. Era um avançado que não podiam deixar escapar.
Assim, o clube italiano pagou um valor recorde – que ainda hoje se mantém – para garantir Osimhen. O negócio foi avaliado entre 70 e 80 milhões de euros.
Com apenas 21 anos, Osimhen precisou de algum tempo para se adaptar à dimensão do Nápoles. Lesões, COVID e a participação na CAN impediram-no de ganhar ritmo.
Em novembro de 2021, sofreu uma grave lesão na cabeça frente ao Inter de Milão, fraturando o crânio e a órbita ocular. Foi aí que nasceu a versão mascarada de Osimhen que hoje conhecemos.
Apesar destes contratempos, conseguiu ainda assim marcar 28 golos em 62 jogos nas suas duas primeiras épocas.
Mas foi na temporada 2022/23 que Osimhen se apresentou verdadeiramente ao mundo.
Numa época impressionante, Osimhen marcou 26 golos na Serie A e conduziu o Nápoles ao seu terceiro título de campeão, o primeiro desde 1990. Formando uma dupla sensacional com Khvicha Kvaratskhelia, o nigeriano terminou como melhor marcador do campeonato, entrando para a história do clube.
Assinalou ainda cinco golos na Liga dos Campeões, ajudando o Nápoles a chegar pela primeira vez aos quartos-de-final.
Além disso, tornou-se o melhor marcador africano de sempre na Serie A, superando o anterior registo de George Weah (46).
Parecia que tudo corria bem para Osimhen em Nápoles. Era adorado e celebrado pelos adeptos. No entanto, tudo mudou de repente.
Apesar de ter marcado 15 golos em 25 jogos do campeonato na época 2023/24, foi mais uma temporada irregular, marcada pela CAN e por novas lesões. A defesa do título do Nápoles foi desastrosa, terminando em 10.º lugar na Serie A.
Ainda assim, renovou contrato em dezembro, com uma cláusula de rescisão de 130 milhões de euros.
Mas a relação com o clube deteriorou-se de forma irreversível quando a conta oficial do Nápoles nas redes sociais decidiu gozar com o avançado por ter falhado um penálti, numa publicação considerada altamente desrespeitosa, o que enfureceu Osimhen e o seu agente.
Com a chegada de Antonio Conte no verão, um treinador que pretendia voltar a trabalhar com o avançado Romelu Lukaku, a separação era inevitável.
No entanto, durante o mercado de verão, Osimhen não conseguiu a transferência que desejava. Não estava totalmente convencido com uma ida para o Al Ahli, da Arábia Saudita, enquanto o Chelsea recuou perante o valor pedido pelo Nápoles e o salário do jogador.
No último dia do mercado, ambas as transferências caíram por terra e Osimhen teve de ficar em Nápoles. Com o clube italiano sem intenção de o reintegrar no plantel e o avançado descontente com a forma como o presidente Aurelio de Laurentiis geriu o processo, ficou numa situação indefinida.
Contudo, nem todas as portas estavam fechadas.
Ídolo do Galatasaray
Enquanto a janela de transferências já tinha fechado na maioria das ligas, na Turquia manteve-se aberta por mais algumas semanas.
Surgiu então uma oportunidade para o gigante turco Galatasaray. Osimhen não ia jogar mais pelo Nápoles, mas precisava de encontrar um novo destino para não ficar parado.
O Galatasaray avançou, chegou a acordo para receber o nigeriano por empréstimo durante uma época, garantindo uma das contratações mais sonantes da sua história.
Grandes nomes já tinham passado pelo futebol turco. Wesley Sneijder, Didier Drogba e Gheorghe Hagi, só para citar alguns.
Mas, ao contrário deles, Osimhen chegou à Turquia no auge da carreira, algo inédito no país. Nunca tinham recebido um jogador deste nível, ainda no topo das suas capacidades.
Foi recebido como um herói no aeroporto de Istambul. Centenas de adeptos aguardavam-no, a cantar o seu nome e a mostrar-lhe o que o esperava.
"Cheguei a Istambul – nunca tinha visto nada assim na vida", disse Osimhen. "Quando vi aquilo, senti como se uma brisa fresca me envolvesse."
É seguro dizer que Osimhen nunca mais olhou para trás. Fez uma época de estreia incrível, conquistando a Bota de Ouro com 26 golos em 30 jogos da Super Liga, e 37 em 41 partidas no total. Estabeleceu o recorde de mais golos marcados numa só época por um jogador estrangeiro na Turquia.
Conduziu o Galatasaray ao 25.º título da Super Liga, afastando o rival Fenerbahce. O clube conquistou ainda a Taça da Turquia. Um dos melhores jogadores de sempre a atuar na Super Liga, tornou-se um ídolo instantâneo.
Mas e agora? Com o empréstimo a terminar, Osimhen ficaria em Istambul ou partiria para um dos cinco principais campeonatos europeus?
Para Osimhen, só havia uma escolha. Apesar das propostas milionárias do Al Hilal e do interesse da Serie A, apaixonou-se pelo Galatasaray, tal como o clube se apaixonou por ele.
"O Gala é grande. Mas só percebi o quão grande era quando entrei. Sentes o fogo dentro de ti para dar tudo pelo emblema, por cada gota de suor. Foi maravilhoso, sabes? É aqui que quero estar, é aqui que quero ficar", afirmou o avançado de 26 anos.
O Galatasaray fez de tudo para o manter. Bateu o recorde de transferências da Super Liga, investindo uns impressionantes 75 milhões de euros para garantir a sua contratação definitiva.
Para se perceber o esforço do clube, o anterior recorde de transferências na Turquia era de 20 milhões de euros (Youssef En-Nesyri para o Fenerbahce).
E chegamos ao presente.
Tem sido mais uma época fantástica para Osimhen. Soma seis golos em quatro jogos da Liga dos Campeões, só Kylian Mbappé marcou mais. O seu hat-trick frente ao Ajax fez dele o primeiro estrangeiro a marcar três golos num só jogo da competição pelo Galatasaray.
Superou ainda Obafemi Martins como melhor marcador nigeriano de sempre em competições europeias, ajudando o Galatasaray a garantir um lugar confortável nos play-offs.
No campeonato, os amarelos e vermelhos lideram, com três pontos de vantagem sobre o rival mais próximo, de olhos postos no quarto título consecutivo da Super Liga. Osimhen já marcou seis golos na liga, e a sua ausência será sentida enquanto estiver em Marrocos.
Porque é que Osimhen é tão importante para a Nigéria
Osimhen é, de longe, o melhor jogador da Nigéria e um dos maiores destaques do torneio. Se querem vencer a CAN, vão precisar dele em grande forma.
Com 31 golos pela Nigéria, o avançado do Galatasaray está perto de se tornar o melhor marcador de sempre do país, a apenas seis golos de Rashidi Yekini.
Osimhen soma cinco golos nos últimos três jogos pela seleção, com o hat-trick frente ao Benim e o bis diante do Gabão a serem decisivos para chegar à final do play-off de qualificação para o Mundial.
No entanto, quando foi substituído ao intervalo dessa final devido a lesão, sentiu-se que tudo mudou e o sonho de qualificação para o maior palco do desporto terminou.
O estilo de jogo de Osimhen é incansável. É um atleta fora do comum, capaz de aproveitar qualquer oportunidade como ninguém. A sua pressão, capacidade de segurar a bola, jogo aéreo e energia são fundamentais para a equipa, especialmente para a Nigéria, que muitas vezes aposta no jogo direto para ele.
Em clubes e na seleção, é uma referência nos pontapés de baliza. Apesar de atuar sobretudo no centro, costuma descaír para a esquerda do relvado para enfrentar adversários menos físicos, o que lhe permite receber a bola e iniciar ataques com facilidade.
Apesar de nem sempre ser o mais eficaz, a sua capacidade de aparecer em zonas de finalização e rematar tantas vezes é incomparável, graças às suas qualidades físicas, o que faz dele uma garantia de golos.
Na última época da Super Liga, nenhum jogador rematou mais do que Osimhen (138), mais 20 do que o segundo classificado. Foi o melhor marcador do campeonato (26 golos), mas também quem mais grandes oportunidades desperdiçou (26), o que ilustra bem o ponto anterior.
A CAN costuma ser um torneio caótico, com jogos muito diretos e bastante físicos. Por isso, as características de Osimhen tornam-no ainda mais valioso para a Nigéria.
Apesar de só ter marcado um golo na última CAN, isso não reflete a sua influência na seleção, que chegou à final. A Nigéria criou poucas oportunidades para ele, mas o seu contributo global foi enorme.
Os adeptos esperam que possa voltar a exibir-se a este nível, mas desta vez, com mais golos.
Vencer um torneio internacional significaria muito para a Nigéria, mas também para Osimhen. A grande esperança do país, sempre sentiu a pressão ao longo da vida, por isso nada disto será novidade. Mas, depois de tudo o que passou, este seria certamente o seu momento de glória.