Exclusivo com Pepo: "As perspetivas de Moçambique passam por fazer história na CAN"

Pepo em destaque ao serviço de Moçambique
Pepo em destaque ao serviço de MoçambiqueArquivo Pessoal, Flashscore

Da Liga 3 ao sonho interrompido do maior palco do futebol africano. Pepo viu a lesão travar, a poucos dias da convocatória, uma presença que parecia iminente na CAN, após um percurso marcado pela resiliência, pela maturidade e por um canto olímpico que o tornou um nome acarinhado pelos adeptos moçambicanos.

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Do "sonho adiado" ao destaque de Moçambique: "Geny está num patamar completamente diferente"

- O Pepo foi opção regular nos últimos estágios de Moçambique, mas não vai estar na CAN porque sofreu uma lesão grave a dias de ser anunciada a convocatória. Como é que se sente?

Neste momento, de uma forma mais calma, sinto que o sonho foi apenas adiado. Quando tudo aconteceu, foi um grande choque, era um sonho enorme, e perceber que não ia ser possível afetou-me bastante. Mas, com a cabeça mais fria, uma pessoa acaba por encontrar forças onde elas parecem não existir. O nascimento do meu filho e outras coisas ajudaram-me a ver que tenho de arranjar maneira de dar a volta a isto. Já estive a ver os calendários para perceber quando será a qualificação para a CAN-2027 e agarrei-me a esse objetivo. Defini como meta participar nas qualificações em setembro e outubro.

- As mensagens devem ter sido muitas, mas permita-me que lhe pergunte se houve algum contacto especial do selecionador Chiquinho Conde e de alguns colegas?

Somos um grupo bastante unido, a nossa força está mesmo nisso. Por causa disso, recebi muitas mensagens de apoio dos meus colegas. O mister ligou-me e continua a ligar, a perguntar como estou e se já fui operado. Existe essa preocupação, mesmo sabendo que não pode contar comigo agora nem nos próximos tempos. Sinto muito esse carinho. No grupo que temos, deixaram-me muitas mensagens e fico muito grato por toda a força e apoio que me têm dado.

- Não vai estar presente em Marrocos, mas acredito que vai vibrar pelos seus companheiros à distância. Quais são as perspetivas de Moçambique para esta próxima CAN?

As perspetivas passam por fazer história. Moçambique nunca conseguiu ultrapassar a fase de grupos e o nosso grande objetivo é melhorar sempre em relação ao que foi feito antes. Por isso, o foco está claramente em seguir em frente na competição, mesmo sabendo que estamos inseridos num grupo bastante complicado.

Pepo sobre as perspetivas de Moçambique
Pepo sobre as perspetivas de MoçambiqueOpta by Stats Perform, Arquivo Pessoal

- Ainda antes da lesão, o que é que eles lhe tinham dito sobre a CAN?

O que os meus colegas me explicaram é que o povo africano vive o futebol como uma verdadeira festa. Estas competições acabam por trazer muita alegria a pessoas que, no dia a dia, enfrentam mais dificuldades. Aproveitam mesmo os jogos para esquecer um pouco os problemas. Por isso, o ambiente na CAN é de festa total.

Aliás, senti isso durante a qualificação, tanto para a CAN como para o Mundial-2026. Para onde quer que vamos, somos sempre bem recebidos, pelos nossos adeptos e até pelos adversários. Há uma energia positiva à volta do futebol que já não se vê com tanta frequência, sobretudo na Europa, onde eu jogo. E dá um enorme gosto estar nestes palcos.

- Em termos mais pessoais, que significado tinha para si participar nesta competição?

Tinha um significado enorme para mim e para a minha família, pelo simples facto de que - e isto não é arrogância - sempre senti que podia ter chegado a outros patamares. Senti que, mesmo quando estava na Segunda Liga, tinha feito o suficiente para me manter ou até para subir de nível.

Poder participar nesta competição era quase um prémio. Não estou no fim da carreira, mas também já não sou novo, e sentia que agora estava a viver momentos que me faziam sentir verdadeiramente jogador: estádios cheios, jogos grandes, enfrentar os melhores. A maioria dos jogadores que vai à CAN está nas melhores equipas europeias, e isso fazia-me sentir que, mesmo não tendo alcançado outras metas que ambicionava, estava finalmente a receber um “miminho” do futebol. Mas a vida é mesmo assim. 

- Costa do Marfim, campeã em título, Gabão e Camarões. Qual é a sua perspetiva para este grupo?

Acho que Moçambique tem boas hipóteses. No futebol de hoje, já não existem “tubarões” como antigamente. Qualquer equipa consegue competir de igual para igual e mostrar as suas armas. Claro que vão ser jogos muito difíceis, isso é evidente, mas o facto de chegarmos como outsiders até pode jogar a nosso favor.

A pressão está do outro lado - é um pouco como acontece quando uma equipa mais pequena vai jogar ao Estádio da Luz ou a outro grande estádio. Não tenho dúvida que os meus colegas vão encarar isto dessa forma: a responsabilidade maior é das outras seleções. Moçambique vai querer desfrutar, competir bem e, sinceramente, acredito que Moçambique pode surpreender.

- O Pepo esteve no último estágio. Como é que estava o grupo: confiante, nervoso?

Nervoso não, o grupo está bastante confiante. É verdade que, quando a seleção se junta, são sempre poucos dias para trabalhar, mas desde setembro, outubro e novembro, o grupo tem sido praticamente o mesmo. Já era assim antes de eu chegar e isso ajuda muito.

Permite que o sistema esteja bem consolidado, porque não há tempo para grandes mudanças. Senti que a equipa estava preparada, confiante, e agora é desfrutar ao máximo da competição e tentar fazer história.

O grupo de Moçambique
O grupo de MoçambiqueFlashscore

- Sem querer ser injusto para alguém, há algum jogador da seleção de Moçambique que possa destacar?

Há, sim. Para mim, o Geny (Catamo) está num patamar completamente diferente. Nota-se mesmo. Por exemplo, quando jogámos contra a Argélia, ele esteve ao nível dos melhores deles. Em tudo o que são pormenores - arranque, força, velocidade de execução, capacidade de decisão - percebe-se logo que é um jogador muito diferenciado. Dá-me um enorme gosto partilhar o balneário com ele. 

- Na seleção de Moçambique, o Pepo tem a oportunidade de jogar com jogadores como o Geny (Sporting) e Reinildo (Sunderland). Mas como é estar na Liga 3 em Portugal e, ao mesmo tempo, ter a oportunidade de jogar com estes jogadores de nível mundial?

Quanto ao facto de eu estar na Liga 3 e eles estarem em patamares completamente diferentes… é uma situação curiosa. Falo disso muitas vezes com os meus colegas de equipa: a exigência que eles têm para comigo é como se eu também estivesse na Premier League ou na Primeira Liga. Sinto que eles me veem como alguém que pode fazer a diferença ao lado deles.

Não sei se isso significa que estou melhor do que penso… ou se eles estão a ser um bocadinho simpáticos demais comigo (risos). Mas a verdade é que acreditam nas minhas capacidades, e isso deixa-me sempre muito motivado.

Pepo veste a camisola 11 de Moçambique
Pepo veste a camisola 11 de MoçambiqueFederação Moçambicana de Futebol

O processo de naturalização: "É um orgulho gigante para a minha família"

- O Pepo é natural das Caldas da Rainha, em Portugal. Como é que foi o processo de integração na seleção de Moçambique? Foi convocado pela primeira vez em 2021, mas só se estreou em 2024. Quer explicar o que aconteceu pelo meio?

É algo bastante simples. Em 2021 fui convocado, mas lesionei-me na semana anterior à chamada. E, na altura, ainda não tinha os papéis todos preparados - ia tratar de tudo quando chegasse lá. Como me lesionei, acabei por ficar no clube a fazer tratamento.

Além disso, era o período do Covid e havia ainda muito desconhecimento. Confesso que isso me deixou um pouco receoso. Depois dessa lesão, na convocatória seguinte continuava tudo muito confuso, com confinamentos e restrições, e senti que aquele não era o momento certo para ir.

A partir daí, o contacto acabou por esmorecer e deixei de ser convocado. Só em 2024 é que a oportunidade voltou. Eu estava no Caldas, depois de duas épocas muito complicadas, em que não joguei o que queria e não estava a desfrutar do futebol. Regressei a casa com o objetivo de voltar a ser feliz a jogar.

Quando surgiu a convocatória, senti: “Ok, isto faz todo o sentido. Agora não posso mesmo deixar passar.” E a forma como hoje encaro a seleção é completamente diferente. Tenho uma maturidade que, apesar de achar que tinha em 2021, na verdade ainda não tinha. Por isso, acredito que acabei por chegar no momento certo.

- Mas como é que surge esta ligação a Moçambique? É familiar pelo lado da mãe, correto?

Exatamente. A minha mãe e os meus tios, todos do lado materno, nasceram em Moçambique. A minha avó vivia lá com o meu avô e foi lá que tiveram os filhos. A minha mãe, por ser a mais nova, ainda foi a que lá passou menos tempo, cerca de três ou quatro anos. Quando o meu avô faleceu, regressaram todos a Portugal, mas a família esteve em Moçambique cerca de dez a quinze anos.

- Quando é que percebeu que havia uma possibilidade real de ser chamado à seleção, graças a essa ligação familiar?

Foi quando eu jogava na UD Leiria. Curiosamente, o Ricardo Campos, que até é aqui das Caldas, tinha sido convocado para a seleção de Moçambique, na altura em que estava no Boavista.

Quando nos encontrámos em Leiria, falámos sobre isso e ele disse-me que também tinha ido através da ligação dos avós. Depois comentou: “Olha, se quiseres, posso dar o teu número e avisar a malta da federação de que tens essa possibilidade de te naturalizares.”

E foi aí que tudo começou. A partir desse contacto, eles devem ter começado a ver jogos meus. Basicamente, foi ele que deu o meu nome, porque, naturalmente, eles não tinham forma de adivinhar essa ligação familiar.

Pepo ao serviço da seleção de Moçambique
Pepo ao serviço da seleção de MoçambiqueFederação Moçambicana de Futebol

Canto olímpico do "Bernardo Silva de Moçambique": "Foi um ponto de viragem"

- Como é que foi recebido em contexto de seleção, nomeadamente pelo grupo, pelo selecionador e até pelo próprio povo de Moçambique?

Foi tudo muito fácil. A relação com o grupo e com o selecionador começou logo bem. Antes de eu ir, já tínhamos falado e foi sempre uma conversa muito direta e tranquila.

Depois, o facto de haver jogadores que estavam em Portugal ajudou imenso. Na altura, o Gildo jogava na Académica, o Langa vinha do Chaves, o Geny também vinha no mesmo avião que eu… isso tirou-me logo o receio que poderia ter se viajasse sozinho. A integração tornou-se muito simples.

O grupo é o mesmo há bastante tempo e não há egos ali. O Reinildo, o Geny, o Mexer, o Langa… ninguém se coloca acima de ninguém. Todos são tratados da mesma forma e a exigência para comigo foi igual à dos outros. Isso facilitou muito. Viram em mim alguém que podia ajudar e receberam-me da melhor maneira.

Os próximos jogos de Moçambique
Os próximos jogos de MoçambiqueFlashscore

E depois houve o impacto no país. Eu cheguei lá sem sequer me ter estreado e, de repente, no aeroporto e nas ruas, toda a gente sabia quem eu era. Tratavam-me como se já tivesse cem jogos pela seleção. Não estava nada à espera.

Foi surpreendente - e muito bom - sentir esse carinho logo desde o primeiro momento. Provavelmente só tinham visto a minha cara numa fotografia ou numa publicação qualquer, mas para eles já era mais um jogador que vinha ajudar. E isso marcou-me.

- O Pepo já foi apelidado de "Bernardo Silva de Moçambique". Como é que lida com essa comparação?

É ótimo, não é? (risos) Estarem a comparar-me a um dos melhores médios do mundo… só posso estar agradecido. Acho que é mais pelo tamanho do que pelo resto, mas isso não interessa (risos).

Eles são muito criativos nas alcunhas. Já me chamaram o Bernardo Silva de Moçambique, outros disseram que eu era o Modric… basicamente vão buscar os médios mais baixinhos e fazem a associação. E, sinceramente, acho graça a isso.

"Podem esperar um Pepo mais forte"

- Ao longo deste ano e pouco na seleção já soma doze internacionalizações e dois golos - um deles um canto olímpico. Esse foi o momento mais especial?

Foi, sem dúvida. Até pelo impacto que o golo teve. Aquele canto olímpico criou um boom enorme. Fiquei praticamente conhecido na seleção por isso - “o jogador que marcou o canto olímpico”.

Internamente já me sentia valorizado, mas senti que, para o povo de Moçambique, especialmente os mais céticos em relação às naturalizações, e até para quem não me conhecia de outras seleções, aquilo foi um momento de viragem.

Pareceu que perceberam ali que eu podia ter um papel diferente na equipa. E sentir essa confiança, essa preponderância, foi muito bom.

- Por fim, que mensagem gostaria de deixar ao povo de Moçambique? 

Não só aos adeptos de Moçambique, mas também aos do Caldas. Podem esperar um Pepo mais forte. Vou aproveitar este momento para trabalhar algumas coisas em que sentia que não era tão forte. Como já sou um rapaz mais velho e vou levar peças novas, vão ter de aguentar comigo muito mais anos do que era suposto (risos).