Exclusivo com Sébastien Desabre: "A RD Congo merece encontrar finalmente a luz do seu futebol"

Sébastien Desabre conversou com o Flashscore a poucos dias do arranque da RD Congo na CAN 2025
Sébastien Desabre conversou com o Flashscore a poucos dias do arranque da RD Congo na CAN 2025FRANCK FIFE / AFP / Flashscore

A poucos dias do pontapé de saída da CAN-2025 em Marrocos, Sébastien Desabre partilha o estado de espírito da RD Congo, as ambições da sua seleção e o percurso realizado desde a sua chegada em 2022. Entre exigência, humildade e confiança assumida, o selecionador dos Leopardos explica ao Flashscore as chaves da recuperação congolesa e traça o rumo antes de uma competição em que a RD Congo avança com ambições moderadas, mas reais.

- Em que estado de espírito está antes da CAN 2025?

- Estamos com a mentalidade de uma equipa que se prepara para uma das grandes competições mundiais. Recuperámos os jogadores, como sabem, um pouco tarde. Disputámos um jogo amigável, que correu bem, e isso permitiu-nos dar minutos a alguns jogadores que tinham jogado menos. O grupo está motivado, ansioso por chegar a Marrocos já amanhã (na quinta-feira, 18 de dezembro) para entrar verdadeiramente no assunto.

- Tem um percurso rico no futebol africano (vencedor da Taça da Costa do Marfim em 2011, campeonato dos Camarões em 2013, campeonato de Angola em 2015, presença nos oitavos de final da CAN-2019 com o Uganda). Na Europa, é menos conhecido, mas os seus resultados em África são evidentes. Quem é Sébastien Desabre para o público?

- Também estive dois anos na Ligue 2, em Niort. Mas é verdade que o meu percurso levou-me rapidamente para África, e houve logo uma ligação. Consegui resultados e, acima de tudo, aprendi a valorizar o trabalho neste continente.

Venho do futebol amador. Já sou treinador há quase 20 anos, dos quais mais de 15 ao nível profissional. Estamos a falar de quase 400 jogos neste patamar. E pronto, continuamos a crescer, a aprender. Esta será a minha terceira CAN, por isso já começo a ter alguma experiência, mesmo mantendo sempre uma lógica de evolução.

- Terceira CAN para si, a segunda com a RD Congo. Em relação à sua seleção: como explica a recuperação futebolística espetacular da RD Congo desde que assumiu funções em 2022?

- Acima de tudo, é fruto de muito trabalho. Estou bem acompanhado, com uma equipa técnica de qualidade e um governo que se envolve bastante em torno da equipa. E, sobretudo, há jogadores de grande qualidade, com uma mentalidade muito profissional.

Todos estes fatores juntos permitiram implementar um projeto coerente. Partimos do 75.º lugar do ranking FIFA para chegar hoje ao 56.º. Ainda há caminho a percorrer, mas estamos a avançar. O futebol congolês, com os seus jogadores binacionais e locais, merece este destaque.

- Precisamente, insistindo nesse ponto. Quais foram as chaves e os ingredientes para reerguer o que é considerado um dos países de referência do futebol africano, um gigante adormecido?

- O segredo está na profissionalização. Profissionalizar a estrutura em torno da seleção nacional, instaurar rigor, uma verdadeira disciplina de jogo. Mas também criar um ambiente que permita aos jogadores exprimirem-se plenamente, com padrões próximos dos que conhecem nos clubes. Atualmente, a organização da seleção é de altíssimo nível, e isso nota-se em campo.

- Quando chegou em 2022, o seu principal objetivo era construir a equipa para se qualificar para a CAN-2025. Hoje, está prestes a qualificá-la para o Mundial-2026, estando já apurado para a CAN-2025. O que explica este avanço em relação ao seu projeto inicial?

- Sempre acreditei neste projeto, e fiz bem. O objetivo principal continua a ser a qualificação para o Mundial, após mais de 50 anos de espera. É nisso que trabalhamos há três anos e meio. Já atingimos uma meia-final da CAN, outra está a chegar. A ideia é confirmar o que mostrámos na Costa do Marfim e, sobretudo, recolocar a RDC de forma duradoura no bom caminho, na continuidade do trabalho já iniciado antes da minha chegada, nomeadamente com o Florent Ibenge.

- Falando dos objetivos e ambições do Congo para a CAN que se avizinha. Os congoleses querem vencer a CAN – conhecemos a sua paixão – mas muitos veem-no pelo menos nas meias-finais, com o estatuto de outsider. Qual é o verdadeiro objetivo da RDC em Marrocos?

- Trabalhamos por etapas. A primeira é passar a fase de grupos. Neste momento, o nosso único foco é o primeiro jogo contra o Benim. Depois, será futebol a eliminar. Neste tipo de competição, tudo pode acontecer: é preciso jogar bem, ter alguma sorte e um contexto favorável. O nível das CAN está sempre a subir, o que torna cada percurso ainda mais exigente.

Os adversários da RD Congo
Os adversários da RD CongoFlashscore

- Fala das qualidades da RDC e vimos a importância de um jogador como o Chancel nos play-offs, com o golo da vitória frente aos Camarões, o penálti frente à Nigéria. Como explica que um defesa possa ser tão decisivo? Qual é o seu papel no balneário, para além de ser capitão?

- O Chancel (Mbemba) é um líder natural. Não precisa de falar muito. O seu comportamento e profissionalismo elevam o grupo, sobretudo os mais jovens. Tal como o Cédric Bakambu, o Arthur Masuaku ou o Gaël Kakuta, tenho a sorte de contar com jogadores experientes muito ligados ao país. Podemos estar melhores ou piores em campo, mas esta equipa nunca perde a resiliência nem a combatividade.

- Depois do fiasco de Casablanca (derrota frente a Marrocos no play-off da segunda mão por 4-1, a 29 de março de 2022), que argumentos permitiram convencer o Bakambu a continuar na seleção e a manter-se peça-chave aos 34 anos, quando já tinha anunciado a intenção de sair?

- Não foi preciso convencer ninguém. Estes jogadores amam o seu país. Enquanto puderem servir a nação, estarão presentes. Também perceberam que o nível de exigência aumentou, dentro e fora de campo. São jogadores que precisam desse rigor e aderem totalmente a ele.

- Gostava que falasse do Noah Sadiki, uma das suas promessas, autor de um início de época impressionante no Sunderland. Como conseguiu impor-se de imediato e assumir o meio-campo, numa equipa que tinha chegado às meias-finais na última CAN?

- Fomos integrando-o gradualmente. Com os jovens, é sempre preciso proteger ao máximo, porque a pressão é enorme e os julgamentos podem ser muito rápidos. Primeiro foi somando minutos, depois foi titular, nomeadamente contra a Etiópia. Depois, conquistou o seu lugar. Isso permite-nos fazer escolhas em função das opções táticas que tomamos. O meio-campo é muito competitivo, mas nos últimos meses, especialmente no Sunderland, ele deu realmente um salto.

- Esta CAN servirá de preparação para o play-off decisivo de março? Em que medida este torneio pode ser um ponto de referência antes do jogo mais importante da RDC dos últimos 50 anos?

- Não. Só pensamos no presente. O jogo mais importante é sempre o próximo. Para nós, neste momento, é o Benim. Tem tanta importância como qualquer play-off.

- Jogaram recentemente frente à Zâmbia (2-0). Que lições retira a poucos dias do início da CAN?

- Temos um grupo muito homogéneo. Houve muitas alterações, logo desde o apito inicial e ao intervalo. O que retiro é que, independentemente das escolhas, lesões ou momentos de menor forma, continuamos competitivos.

- Falou há pouco do futebol local. Uma palavra sobre o Fiston Mayele, recentemente eleito melhor jogador africano a atuar em África. Qual é o estado atual do futebol congolês local e até que ponto estes talentos podem contribuir para a seleção nacional?

- O Fiston é um exemplo. Vem do campeonato local, passou pela Tanzânia antes de chegar ao Pyramids.

O que lamento é que, no país, o campeonato ainda não está estruturado para reter os talentos. Muitos partem para jogar noutros países africanos. Temos vários a jogar na Tanzânia, outros em Angola e alguns nos países do Magrebe. Mas mantenho-me positivo: é uma margem de progressão. Temos na equipa jogadores oriundos do futebol local ou que o conheceram, e essa ligação é fundamental. No dia em que o campeonato for mais competitivo, o impacto na seleção será evidente.

Sabemos bem que, quando o campeonato está num bom nível, quando as equipas da RDC chegam à final da Liga dos Campeões, às meias-finais da Liga dos Campeões, como aconteceu há alguns anos com o TP Mazembe, inevitavelmente há jogadores que são integrados na seleção local. E isso é importante para manter a ligação local. Na nossa equipa, há de facto binacionais, mas também temos o que chamo de jogadores locais, aqueles que passaram pelo campeonato, como o Edo Kayembe, o Chancel Mbemba ou o Fiston Mayele.

- Precisamente, a minha próxima pergunta ia nesse sentido. Como se posiciona em relação ao futebol local, que parece estar a perder nível no continente? Porque, olhando para o histórico recente, desde o início da década de 2010, tivemos um clube como o TP Mazembe a chegar à final do Mundial de Clubes 2010. Hoje, vemos também muitos binacionais na RDC. A nossa questão: como valorizar os jogadores oriundos do campeonato local? Que medidas estão a ser tomadas para revitalizar o futebol local?

- Diria que não se deve pôr o carro à frente dos bois. É preciso primeiro perceber o contexto. Há mais de três anos que não existe uma federação eleita, mas sim um comité de normalização com quatro pessoas orientadas pela FIFA. No dia em que houver uma federação forte e autónoma, com uma verdadeira direção técnica e meios para os jovens, tudo recomeçará, é evidente. É a base de qualquer futebol que funcione, em África ou noutro lugar.

Depois, não tenho conselhos a dar. Mas, há três anos e meio, vivo isto diariamente. Em todos os campeonatos que funcionam, seja em África ou no mundo, todas as equipas que funcionam, todas as equipas de jovens que funcionam, existe primeiro uma federação organizada, com dinâmica e políticas desportivas. Portanto, antes de falar da reorganização do campeonato, o futebol congolês precisa de uma federação forte e de uma direção técnica a quem sejam dados os meios para desenvolver o seu projeto desportivo jovem.

- Sobre a última derrota frente ao Senegal (a vencer por 2-0, perdeu 3-2, na qualificação para o Mundial-2026), alguns críticos no país, os seus detratores, falaram de escolhas “egoístas”. Como lida com a pressão no futebol congolês, que pode ser tão exigente e apaixonado?

- Estamos preparados para isso. Treinei grandes clubes africanos, o Wydad Casablanca, o Espérance de Tunis, por vezes diante de 80.000 adeptos. Sabemos que pode correr muito bem, ou menos bem. Mantemos o foco no nosso trabalho, dando sempre o máximo. Às vezes chega, outras não. É o futebol. Agora, nos nossos últimos nove jogos, somamos oito vitórias e uma derrota, precisamente contra o Senegal. É uma grande equipa, apurada para o Mundial. Nós escolhemos outro caminho para lá chegar.

Pablo Gallego - Editor Sénior de Notícias
Pablo Gallego - Editor Sénior de NotíciasFlashscore France